A língua portuguesa não é apenas um meio de comunicação; é uma expressão cultural, que influenciamos e que nos influencia, que nos une e que também nos afasta. Sendo a nossa língua materna, é a língua em que pensamos, mas, mais do que isso, é aquela em que sentimos, em que sonhamos e em que nos emocionamos.
Por ser a língua que usamos diariamente, e talvez por julgarmos Portugal como um país pequeno, tendemos a esquecer a imensa riqueza cultural do idioma português.
Só por exagero diríamos que existem diferentes “línguas” dentro do português de Portugal. Mas as diferenças entre o Norte e o Sul, ou entre o “dialeto de Lisboa e Coimbra” e o resto do país, são suficientemente importantes para que os especialistas falem em diferentes dialetos.
No Norte, não é só a troca dos V pelos B. É o vocabulário interminável, quanto baste para um estremenho ou ribatejano que se desloque regularmente ao Porto estar sempre a aprender palavras novas. Pedir um fino ou um cimbalino? Qualquer trengo é capaz disso. Mas para não o tomarem por sostra, o melhor será dar corda aos vitorinos e aprender a sério o vocabulário da Invicta.
No Alentejo, idem. É o ditongo “ei” que se transforma em “ê”, como em “primêro” ou “cansêra”; são os E´s finais que se transformam em I’s, como a “comadri” que vai à “cidadi”; e é a xumela improvisada que se arranja para dormir a sesta à sombra de um chaparro.
Mas não se pense que Lisboa não tem sotaque! Embora se assuma, grosso modo, que o português falado na antiga Estremadura e Beira Litoral, entre Lisboa e Coimbra, é a forma correta, é fácil identificarmos algumas particularidades. É o caso do “ou” que passa a “ó”, como em “óvir” ou “chóriço”; as vogais que desaparecem, como o A da “s’lada”; ou os SC que passam a CH, como a “pichina”, o “crechimento” ou o número “seichentos”.
Há também esta mania de não se usar a segunda pessoa do plural. Enquanto no Norte e nas Beiras se diz, em bom português, “vós ides” ou “vós fazeis”, na região de Lisboa a segunda pessoa do plural é convertida num incorreto “vocês vão” ou “vocês fazem”. Além disso, se pensarmos bem, não será o “dezôito” nortenho mais correto do que o “dezóito” lisboeta?
E quantas vezes, no Continente, nos esquecemos das Regiões Autónomas! Principalmente agora que já não temos a presença habitual de Alberto João Jardim nos noticiários, para nos recordar o sotaque madeirense, e Cristiano Ronaldo não o substitui da mesma forma. Já nos Açores, tomamos o sotaque próprio de São Miguel como se fosse o sotaque falado em todas as ilhas. Isto, apenas, porque São Miguel é a ilha mais populosa e é raro ouvirmos açorianos de outras ilhas a falar na comunicação social.
Ricardo Araújo Pereira chamou a atenção para um pormenor que mostra a riqueza semântica e a sofisticação dos significados na língua portuguesa. As línguas que ele designou como “bárbaras”, como o inglês e o francês, não distinguem “ser” de “estar”. Em ambos os casos (to be e être), os significados de ser e estar estão condensados numa só palavra. Porém, em português, “ser bêbado é muito diferente de estar bêbado”.
Esta sofisticação, que herdámos do latim dos Romanos, também justifica o célebre aforismo de Fernando Pessoa: “o inglês é a língua dos negócios; o português é a língua do sentimento”.
Foi também Ricardo Araújo Pereira que se apresentou ao público paulistano, juntamente com Gregório Duvivier, declarando “esta língua que nos separa”. Paulistano, ou seja: de São Paulo, a maior cidade de língua portuguesa do mundo, cuja área metropolitana tem duas vezes a população de Portugal. RAP teve sempre o cuidado de falar bem devagar, pois a forma rápida, engolindo sílabas e vogais, como nós, portugueses (em especial os de Lisboa…), falamos, torna difícil aos brasileiros entenderem-nos – logo eles, que acentuam bem todas as sílabas e todas as letras que falam!
Gostaríamos de abordar a imensidão de sotaques e dialetos regionais existentes no Brasil, mas não temos conhecimento para tal. A Portugal, chegam-nos sobretudo as novelas cariocas da Globo e os youtubers paulistas da internet, amostra a partir da qual não queremos generalizar.
Independentemente de alguns termos usados serem distintos ou de os sotaques serem diferenciados, a língua portuguesa é um veículo cultural, de emoções e de sentimentos, unindo todos os povos que nela falam, escrevem, pensam e sonham, num orgulho desmedido que nos faz sentir que somos todos irmãos, onde quer que estejamos. Angolanos, brasileiros, cabo-verdianos, guineenses, moçambicanos, portugueses, são-tomenses ou timorenses estão ligados de uma forma única, em qualquer lugar do mundo.